
Os meus pés já mal se arrastam um atrás do outro... já quase nem tenho forças para me amparar no velho cajado... mas recuso-me a ficar arrumado no cadeirão do meu quarto, esperando os dias passarem iguais.
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Ah, como eu tenho pena de vocês...
Observo o vosso olhar e vejo o nada.
Transportam as vossas pastas de executivo e dão ordens às secretárias, enquanto engolem, apressados, um café na pastelaria da esquina, mas os vossos corações estão ocos. Desprovidos de sentimento...
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A vossa indiferença perturba-me. Não do modo que vocês pensam, mas perturba-me o facto de, quando se encontrarem na meta final, como eu, não terem nada. Vocês vão olhar para trás, para o vosso caminho percorrido e verão apenas contas bancárias, acções, transacções comerciais... e nada disso vos dará alegria. Nada vos irá fazer sorrir, porque não semearam Amor à vossa volta...
Enquanto eu, o velho tonto, como vocês me chamam, tenho um baú dourado de recordações... memórias que deixam um rastro luminoso na minha alma e me provocam uma sensação de felicidade conquistada em cada dia que vivi... eu posso olhar para trás e sorrir. Um sorriso feliz e tranquilo porque toda a minha vida foi pautada pelo Amor. Amei cada Amigo que cruzou a minha estrada. Amei as crianças e o seu olhar inocente. Amei o Amor. Amei a Vida.
A vossa indiferença perturba-me, sim, porque não posso chegar ao pé de vocês e gritar para pararem.
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Tanta coisa eu queria dizer-vos... mas vocês acusar-me-iam de senilidade e eu apenas posso sentir pena de vocês... Pensam que eu estou só, mas são vocês as maiores vítimas de solidão.
Eu tenho a minha loucura, como vocês dizem, mas a minha loucura chama-se Amor e eu nunca estarei só, no meu banco de jardim.
1998